Com a cabeça apoiada em suas mãos recordava os momentos em
que tinha sido feliz a seu lado. Ainda o amava ou simplesmente gostava de
pensar que sim? Gostava da ideia de amar e ser amada, mas o que tinha não
seriam apenas sombras de um passado não muito distante? Não sabia, procurava a
resposta no seu íntimo e não encontrava a resposta. Era muito cobarde para dar
um novo rumo à sua vida. Sentia-se menina e velha ao mesmo tempo.
Velha para recomeçar, menina com medo de começar.
Tinha-lhe pedido, implorado, chorado, gritado que largasse aquele
vício que o consumia e que os afastava. Acreditou demasiadas vezes nas suas
promessas quebradas precocemente. A cada promessa uma esperança que se
desvanecia com dor e amargura.
Pensou, idealizou que o seu amor seria mais forte que todos
os vícios. Acreditava que o amor redimiria tudo e tudo venceria. Enganou-se uma
e outra vez. Desesperada via os dias sucederem-se e nada mudava. O seu vício
pelo álcool era mais forte que tudo. Mais forte que o seu amor-próprio, mais
forte que todos os argumentos, mais forte que a sua própria vida agora frágil,
mais forte que o amor que dizia sentir.
Com a cabeça repleta de dúvidas e o coração pejado de dor
olhava-o e não compreendia. Não poderia compreender nunca.
O que lhe restava? Desespero, amargura, tristeza? Uma
mão-cheia de recordações doces? Não, não lhe restava nada. Sentia-se impotente nessa
luta desigual que travou demasiado tempo, anos perdidos e ensombrados pelas
constantes recaídas, pelas depressões que duravam meses e onde o sol raramente
brilhava. A cada recaída era pior. A cada recaída o levantar-se era mais
difícil. Tinham tido tudo. Uma vida plena, feliz, repleta de cumplicidades. O
álcool fora uma constante ao longo dos anos em que estavam juntos. Antes
mesmo até. Ela não ligou no início. Mas com o passar dos anos percebeu que num
casamento não há lugar para 3. Um estava a mais. Era ela.
Demorou a consciencializar-se que quem estava a mais era
ela. Não conseguia aceitar essa realidade. Pensou que com ela seria diferente.
Nunca o é.
Levantou-se e com o coração partido em mil pedaços, saiu. Ele
ficaria certamente triste, mas rapidamente afogaria as suas mágoas como sempre
o fizera. Com ou sem mágoas. Não precisava de motivo. As coisas eram mesmo
assim.
Estava na hora.